segunda-feira, 17 de maio de 2010

Ars


Artes, confesso ser difícil falar disso. Tento uma definição: é ao mesmo tempo atividade e produto da mesma, é o produzir efeito com técnica ou inspiração. Desta última encarregam-se a Musa e o Gênio. 

A técnica é a arte humana para compensar a imprevisibilidade do divino. Que isto baste para as artes em geral. No entanto, no que diz respeito a área de atuação acadêmica das artes plásticas e cênicas, exigem constância e adaptação aos meios e materiais disponíveis. Projeto e improviso caracterizam o métier do artista. Calcula a matéria prima e a molda ao seu estilo. A eternidade é seu desejo mais íntimo. 

Nisso os gregos sabiam num único bloco de mármore extrair do excesso a forma que morava na pedra. O bom artista é como um geometra, senhor dos ângulos e dos espaços. Dono de um senso de perspectiva ímpar, ele (ou ela) sonha com colunas erguidas que a tetos em arcos sustém. Ai, em seus sonhos, é arquiteto dos mundos de sua paixão. 

O ator encarna personas múltiplas, no ilustre palco de nossos frenéticos enganos. Se não tiver a si e souber ser o palco onde forças cósmicas lutam em performance orquestrada, não arrancará mais que bocejos do público que se deve purificar pelos pendulares movimentos de seus estados de alma. 

A arte não apenas imita a vida, pois sendo esta a própria obra, fruir do objeto artístico amado é viver na plena expressão do verbo, ao passo que o que nos dota para criar é o sopro que aquece o peito e que em face da presença é mais forte quanto mais brilha a luz pura daquele farol sem mácula que segue na noite dos sonhos e dos mundos como o ser eternamente desperto de que ela é filha.
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É preciso acreditar que tudo a nossa volta pode tornar-se assim, porque a arte, não é um objeto comercial, mas a necessidade de fazer do que existe a expressão do próprio belo.

O que nos apraz é bom e fiel critério pois rege estética que nos traslada até a ação transformadora que reside na mão do artista, pois a beleza nos faz querer o bem e o melhor que está escondido nas simples e mínimas coisas ao nosso redor, toda uma fauna e flora desconhecidas a espreita de seu amado amante, o poeta, o único que se aventura em seus domínios, aquele que se embriaga na imaginação até perderem as pernas o chão e aos céus interiores da ideia saborear em um elástico abraço que ele costura com suas coruscantes asas.

“Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo” - diz-nos o poeta.

Felizes as crianças que quando olham uma flor amarela no campo sabem ter nela o pasmo essencial de quem sente que nascera deveras para ver e amar todas as flores como únicas que são, em suas cores e fragrâncias, em todos os seus dilemas que lhe ordena harmonizar sua amada e bela Natureza, e a devolvê-la a si do cativeiro que lhe impuseram aqueles que nunca a viram, pois seu mister é o único capaz de revelá-la em cada verso como uma bênção, límpida e cristalina: ela por ela.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Antigas Ciências do Espírito

As Humanidades, Ciências Humanas ou Antigas Ciências do Espírito


São as únicas capazes de formar o homem desde que é isso o que visa, bem como está alojada no coração daquele que age, pensa e sente. A mais antiga dentre elas, no ocidente, é a filosofia.

A Filosofia é o amor mais puro e que não se pode tirar àquele que uma vez experimentou. Aquilo que é amado é o saber. Não visa outras recompensas1. O filósofo lê a tradição de seus escritores como quem vela a esposa que nunca consegue conquistar, ela dele foge com a mão estendida em aceno, deixa para trás o ângulo do beijo e o raio de seu olhar que o trespassa ruidoso. Deve ler, e escrever se possível, com uma constância inumana. O dia é um plano de estudo. A sua busca envolve todo o seu ser. Ele dorme, sonha, sente e quer saber, pensa e vê no reflexo das águas e espelhos, nas retinas dos olhos, a filosofia. Os não iniciados interpretam seu delírio e disposição como loucura.

O filósofo sabe, assim como todos os outros homens de ciências humanas que seus verbos principais são: ler, falar bem, escrever e, antes de tudo, formar-se no uso e fortalecer a potência do seu pensar.

A História, assim como a filosofia é grega e antiga. Nasceu do mito e da crônica. É uma Musa jovem a quem deram o nome Clio. Filha da Memória como as demais musas e de Zeus, as que inspiram poetas, filósofos, bardos e historiadores. É a arte da narrativa. Poucos hoje sabem contar histórias. Até porque não se respeita mais o antigo. Quando a novidade é a lei, os homens parecem ter esquecido que não há nada de novo sob o sol. Só a experiência cultural e individual, a busca de conhecer o outro, o diferente e a si mesmo, na vivência prolongada de si e da história permite ver que muito do que há é repetição e que o homem é o palco onde lutam forças cósmicas que o desdenham por infame que seja.

O historiador diferentemente do filósofo, do sociólogo e do psicológo, pois cada um destes ao seu modo tende a generalizar, e ele, particularizar no detalhe, a sutileza que a distinção, em sua sensibilidade, traz ao conhecimento.

Assim como na filosofia, o historiador terá de ler a maior parte de seus precursores. O estilo é um hábito que desabrocha espontaneamente, não se sabe quando, desde que bem regado.

As Letras inclui o tratamento da linguagem como um todo e, potencialmente, todas as modalidades de expressões humanas. A linguagem é o que há de comum. É o meio e o elo da comunicação, realmente difícil em nossos dias. A literatura universal e portuguesa, a linguística, que é a parte mais científica do currículo, e o ensino das línguas vernáculas (grego, latim, e português) e modernas (francês, inglês, alemão, espanhol etc.) são suas áreas específicas de atuação. As línguas dão abertura a universos culturais e formam a nossa capacidade analítica e sintética do pensamento. Essa exigência, o conhecimento de outras linguas é comum a todas as humanidades. Se a poesia é fonte da língua, o poeta e o escritor produzem os materiais de que a literatura se serve para entender ao homem e este a si.

Os estudantes de Letras e de História, principalmente nas áreas de literatura, português e línguas têm mercado de trabalho amplo. Devem, contudo, evitar se possível lecionar, o que sem dúvida é necessário, antes de formarem-se na pergunta: o que é ensinar?

As Ciências Sociais são delimitadas em três disciplinas: Sociologia, Antropologia e Ciência Política. Exceto a Ciência Política que podemos fazer remontar a Aristóteles2, a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia Modernas são frutos do século XIX. Buscam seu estatuto de ciência nas Exatas, o que vale sobretudo, para a Psicologia. Incluem a estatística e modo de comprovação empírico, isto é, por via de dados da experiência, provas e evidências. Acabam por ser detetives e pouco intervenção no social possuem, a não ser em áreas de planejamento social; fazem o diagnóstico das doenças sociais e modernas e avaliam o impacto das tranformações ocasionadas a vida mental dos indivíduos, a partir do advento da modernidade e quanto a civilização urbana. Delas a Antropologia, apesar de ter surgido em seu ideal de dominação a outras culturas, aprofundou os contatos entre civilizações à época das navegações a regiões desconhecidas para os ocidentais de até então. A tendência muda na segunda geração, onde por exemplo, Franz Boas, em suas pesquisas participantes, se misturava a qualquer povo e como intruso/recebido imita todos os gestos, dorme e come, aprende a língua, se outra. A Ciência Política é uma escola realista que trata de responder às perguntas: quem manda? como manda? o que é o súdito e a soberania, qual o modo de ser do homem. É a mais filosófica dentre as Ciências Sociais.

A Psicologia, bem como a biologia, é por definição a ciência da vida. Ao contrário da biologia, não abre corpos, os respeitam. São terapeutas. Querem saber da nossa intimidade, isto é, da interioridada psíquica da pessoa. Temperamente, caráter e personalidade, bem como possíveis traumas e tipologias e diagnósticos, também gostam de saber da nossa vida sexual. Disso acusam Freud. Alguns deles falam, outros não (durante a consulta). Freud, Jung, Lacan e Reich são os seus principais teóricos. Contudo, a verdade é que experimental e cientificista ao extremos. Aplica métodos, questionários e entrevistas, bem como a estatística para corroborar as suas inferências, ou seja, o que nós homens comuns chamaríamos: interpretações. A psicologia clínica, a psicanálise, e a pesquisa empírica são suas principais ocupações. São, por vezes, contratados pelo Estado e não é raro concursos públicos nesse sentido. Como todas as outras áreas também está aberta a docência, o ensino. Atualmente está em luta com a psiquiatria.

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Não obstante a diferença entre abordagens e conteúdo de cada área, durante a formação ou graduação, em todas elas, não entenderá a Antiguidade quem não ler os Pré-Socráticos, Sócrates, Platão e Aristóteles, e no mínimo, Heródoto, bem como à Modernidade se não souber um pouco de Descartes, Kant, Espinosa e Hegel, ou Marx, Nietszche e Freud.

1O velho professor, afamado como sofista, hoje é o profissional não mercenário no mundo que tão mal os remunera. Se não é amante do que faz não poderá ser feliz nunca.

2Senão a Trasímaco na República de Platão Livro I.